Top Gear x AutoEsporte: TV Pública x TV Privada

O Renato Machado no Bom Dia Brasil de hj fez uma coisa rara na TV brasileira: falou mal de um produto da moda.

O apresentador de programas sobre vinho disse que é ruim o gosto do tal do suco de luz, uma mistura de capins e outros bagulhos naturebas com todas as supostas qualidades terapêuticas neo-bicho grilo.

São nessas pequenas surpresas que dá perceber a diferença entre a TV pública e a privada. TVs públicas pagas pelo povo. Emissoras que não dependem da boa vontade dos governos de plantão, como a BBC e PBS.

Na TV aberta qual foi a última vez que vc viu algum programa de grande audiência mostrando alguma avaliação negativa de um produto? Quando foi a última vez que vc viu algum canal de TV falar mal de alguma empresa privada anunciante?

Um dos exemplos mais claros surge da comparação entre os programas sobre carros da BBC2, o Top Gear (passa uma versão editada na BBCWorld), e o da Globo, o Auto Esporte.

O Auto Esporte não é uma desgraça completa. Os primeiros programas foram bem ruins, mas tem melhorado.

Fizeram umas reportagens interessantes, como a da coleção de mini carros antigos, e outras de utilidade pública do tipo como agir se um pneu estourar no meio da curva.

Top Gear é um programa que passa Domingo às 20h na BBC2 (a grosso modo o canal para um público mais sofisticado. Novelas passam na BBC1).

Ou seja, um programa de horário nobre de um país rico. Portanto, com um orçamento infinitamente maior.

Dinheiro suficiente para ter uma pista própria para testar e comparar desempenho de carros usando um piloto de corridas e a habilidade no volante de celebridades usando sempre o mesmo carro, um relativamente modesto Suzuki Liana.

Se vc estiver curioso, o carro de rua com o melhor tempo na pista do Top Gear atualmente é a Maserati MC12 (1.18.9) seguida de perto pela irmã Ferrari Enzo (1.19.0). A volta mais rápida dada com o Liana foi do Damon Hill (1.46.3). O Mark Weber fez 1.47.52 com a pista muito molhada.

Mas não é a grande quantidade de recursos financeiros e abundãncia de carros exóticos para brincar que fazem a grande diferença entre os programas.

O maior prolema é a falta de opinião no Auto Esporte. No mundo do programa da Globo não existe carro ruim.

Qualquer carro avaliado é uma maravilha e normalmente isento de qualquer defeito. Sinto um clima de jabá que beira os anúncios das facas Ginzu e meias Vivarina.

Já no Top Gear, criado por uma emissora que não depende de patrocinadores, a história é diferente.

Por exemplo, quando os apresentadores foram comentar os resultados da pesquisa anual de satistação de 2005 (veja nota) os apresentadores representaram os carros da Peugeot (807 ocupa o último lugar na pesquisa e o 307 o penúltimo) com um balde de cocõ de cavalo.

Isso não custa dinheiro nenhum para fazer.

Tb não gastam um tostão ao dizer que o Porsche Cayenne, o único carro batizado em homenagem a um tempero, apesar de ser um excelente exemplo de engenharia não merece ser comprado pq ele tem o sex appeal de um camêlo com gengivite e é um bagre entre os carros.

No programa da BBC, os 4x4 da BMW atolam, pifam limpadores de parabrisas de Ferraris, Lamborghinis tem câmbio de trator e acabamento no mesmo padrão agrícola (antes de serem comprados pela Audi que criou carros mais sensatos, mas menos charmosos, de acordo com o apresentador Jeremy Clarkson).

Não é apenas a ausência de medo de perder patrocinadores do setor automobilístico. O programa está cheio de piadas e opiniões policamente incorretas capazes de afastar outras possíveis fontes de anúncios

O apresentador Jeremy Clarkson, por exemplo, é uma das personalidades da mídia mais detestadas pelos ecologistas, defensores dos transportes públicos, ativistas por mais segurança no volante, autoridades do trânsito e qq outro grupo que se manifeste contra o uso de autómóveis ou reprima a velocidade.

Isso sem contar piadas sobre alemães, americanos, franceses, holandeses, japoneses, australianos, galeses, escoceses, moradores de Essex, gays, jovens, velhos, mulheres, baixinhos, caretas, anoraks, golfistas, donos de traillers e sobre eles mesmos, só para contar os temas potencialmente ofensivos mais comuns.

Para ter uma idéia mais precisa do estilo Clarkson, basta dar uma lida nos artigos dele no Sunday Times.

A página de discussão sobre as modificações no tópico sobre o Clarkson na Wikipedia é um exemplo de como pessoas com opiniões completamente diferentes sobre um assunto constróem um texto coletivo, ou melhor, tentam construir.

Deveria ser usada em aulas de jornalismo para mostrar como é difícil (ou impossível) criar completamente balanceado que agrade gregos e troianos. Agradar a todos não deveria ser um objetivo de um programa de entretenimento.

IMHO, não é necessário adotar o princípio Frank Zapppa e procurar ofender a maior quantidade de tipos de pessoas possível para ser "fair and balanced"...

Entretanto, um pouquinho de opinião honesta sem censura em programas que teoricamente ajudam em decisões de compra de produtos caros como os automóveis é fundamental...

Talvez isso só seja possível mesmo em uma televisão paga pelo povo... a ditadura do departamento comercial dificilmente permitirá a produção de programas que não sejam parte do mundo maravilhoso onde tudo é perfeito criado pelas agências de publicidade.

Atualização

O Jay Leno disse mais ou menos a mesma coisa q eu recentemente em um artigo do Sunday Times sobre a realização da versão EUA do Top Gear.

BBC Rules, mesmo.

I hope we don’t ruin Top Gear - Times Online

Another problem for Top Gear in America is the biting humour and criticisms of the cars. My great fear in America is that, for instance, if Kia was our sponsor this week, we’d have to say the car was fantastic.

I said on The Tonight Show recently that the new Kia was available with a heated rear window, so if people needed to push it in winter they could keep their hands warm. Boy, the phones did not stop ringing. So imagine what Jeremy would have to put up with.

I don’t think you could be quite as freewheeling with your opinions as you can on the BBC, because sponsors pay for the programmes. Sponsors would be unlikely to embrace any criticism.

Americans don’t really see personalities like Jeremy on commercial television. They know that they have to be somewhat watered down. When Jeremy rips into some sponsor such as Ford or Chrysler, well, that’s the last time they sponsor that show. Then what you have is “the meeting” after the show, where they tell him to tone it down. That’s just not what they do at Top Gear.

Comentários

JC q explodiu o motor de uma ferrari uma vez ao vivo na tv.

tem videos no youtube.

rss.

Vai além de ser "do povo" ou privada. Tem a ver com cultura de um povo, produção e hábitos do programa. Top Gear antes do Jeremy Clarkson assumir, na época do Tiff Needell, era sério, sem graça mesmo. Quando Jeremy assumiu, fora os testes de rua dos carros, tudo era filmado dentro do estudio e falando sobre dados tecnicos como quem joga SuperTrunfo. Com o tempo, Jeremy deu uma ar mais leve, com menos formalidade britânica e ainda assim com o bom humor britânico. Mas pra ele fazer essa mudança levou uns dois ou três anos. Ah, tradição. O programa passa na BBC desde 1977, e mesmo na época do Tiff Needel, já havia o hábito de criticar carros e mostrar opiniões sobre preferência de marca e modelo. Jeito ranzinza e reclamam do britânico.

Auto Esporte não tem tradição, não tem orçamento e o Brasil tem um dos maiores impostos do mundo. Temos que contentar com teste de Fiesta, Palio e Gol, ao inves de Maserati MC12 e Pagani Zonda até pq eles não chegam aqui e quando chegam custam uma pequena furtuna, como 4x o valor original. Além disso, tudo pro brasileiro tá ótimo e se não tá a gente dá um jeitinho. O abismo entre os dois show não tem como ser vencido tão cedo, se é que existe um jeito.

Daria gosto de ver uma 4x4 da BMW atolar ou um limpador de parabrisa da Ferrari pifar, rs

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