A lógica já era: confissão não é prova

O Brasil é mesmo um país incrível. A imprensa acaba de decretar o fim da lógica.

Durante um depoimento que cerca de seis horas, o deputado Roberto Jefferson, sob juramento, confessou ter recebido de outro partido em R$ 4 milhões não declarados. Disse também ser testumunha de conversas nas quais dirigentes partidários fizeram lhe propostas envolvendo a troca de apoio político por dinheiro. Acrescentou que nestas conversas foi informado que outros partidos já haviam feito o mesmo negócio. Informou que muitos na Câmara dos Deputados já haviam ouvido boatos sobre o assunto. Fato que não recebeu contestação unânime, como seria de esperar caso tivesse inventado tudo. Relatou conversas, confirmadas por outras testemunhas, nas quais denunciava o fato a autoridades do governo, incluindo o Presidente da República.

Falou outras coisas também, deu detalhes e, salvo um ou outro ponto, foi consistente. Comandou a sessão. Não é burro, pelo contrário. Fala bem. É claro. Usa bem das pausas, das entonações e dos gestos teatrais. Em suma, foi convicente.

Conclusão da imprensa brasileira, proclamada por vários jornais: o deputado não apresentou provas.

Vamos imaginar uma delegacia. Entra um cidadão e pede para falar com o delegado. Conta que matou e esquartejou um conhecido que lhe injuriava. Dá o nome do mesmo e descreve as circunstâncias do crime. O delegado pergunta pelo corpo. O cidadão responde que jogou no rio e que mais não contará ao delegado. O que faz o delegado?

Segundo a lógica da nossa imprensa, deveria soltar o cidadão e dar o caso por encerrado. Afinal, não há provas. Uma confissão não serve de prova. Ninguém gravou, não há uma fita.

Ora, tenha a santa paciência. É de se perguntar: a quem serve esta falta de lógica?

Comentários

Fiz um site para denunciar os picaretas e premiar os parlamentários sérios que estão participando das CPIs. Veja: http://picaretas.br101.org/...

O site só terá valor se consolidar a opinião de um número grande pessoas... Por isso, conto com a sua participação. Deixe agora sua opinião no "picaretrõmetro"... Convide seus amigos... etc :)

Foi uma miséria a performance dos deputados. Assim como é uma miséria a cobertura da imprensa.

Na imprensa, menção honrosa, só mesmo para a Dora Kramer. Com o texto sempre límpido e contundente, ela diz o que precisa ser dito. Confirma o que eu vi pela TV. Roberto Jefferson, por quem não nutro qualquer simpatia, demoliu a cúpula do PT porque sua argumentação é sólida, confissão é prova e ele pavimenta o caminho da Comissão de Ética e da CPMI: "deu o mapa das investigações".

A maior parte da classe jornalística é de dar pena. É de dar dó a dupla chapa branca da Rede Globo, que desde que ocupou Lula Planalto, goza de grande status junto ao poder: Tereza Cruvinel e Cristiana Lobo. Ou comentam platitudes ou repetem recados oficiais.

O blog da Cruvinel no Globo Online (exige cadastramento) termina o primeiro parágrafo de sua nota de hoje dizendo: "E houve erros técnicos na condução do depoimento, a começar pela exigência do compromisso de dizer a verdade, o que só deve ser exigido de testemunhas. Ele estava lá como acusado." Afora deselegância do texto, cabe perguntar se a repórter viu, ouviu e entendeu o depoimento.

Cabe, porque não estava lá Roberto Jefferson como reú. O que, quando mencionado, foi corrigido diversas vezes. O deputado estava lá como representado, ou seja, prestava esclarecimentos diante da representação feita por um líder de outro partido. É espantoso.

A jornalísta do O Estado de São Paulo, Cristiane Samarco, também causa arrepios. Num texto entitulado "Cara a cara, Costa Neto é acusado de receber o mensalão", diz, em seu último parágrafo, que a performance de Roberto Jefferson, convincente e competente na avaliação geral da casa, segundo ela, só teria tido rival na pessoa do deputado Sandro Mabel. Sinceramente, ela deve ter visto algo muito diferente do que eu vi.

O que me saltou aos olhos foram os argumentos fracos e a descompostura de adolescente briguento do deputado vendedor das bolachas que levam seu nome. O que tinha de significativo a dizer, além de repetir a muita honra que não demonstrou, foi afirmar que, se havia mensalão, o PTB também recebeu.

É burro. Jefferson havia confessado que recebeu sim. Só não foi na forma do mensalão. Segundo sua confissão qualificada, foi na forma de apoio de campanha. Inclusive pago às meias, o que havia provocado revolta de sua bancada. Fato também relatado em detalhes, com direito a repetição de diálogo sobre o assunto com o Ministro da Casa Cívil. Ou seja, usando o "argumento Mabel", se o PTB levou, todos levaram. Lembra me do sofisma da Tostines, "está sempre fresquinho..."

Somente reparando o que comenta acima meu amigo China, os deputados do PSDB que foram, na minha opinião, exemplares em sua arguição são Gustavo Fruet do Paraná e Carlos Sampaio de São Paulo. Também achei articulados os apartes do deputado Aleluia do PFL baiano e Moroni Torgan, cearense do mesmo partido. Também concordo com o China sobre o Jungmann do PPS e do José Eduardo do PT. O resto ficou, na maioria, abaixo do limiar da crítica.

Com esta imprensa e este congresso, não é de se admirar o que ouvimos ontem.

Há um tempão não trabalho em redação... e nos últimos anos o Guardian e o New York Times são os jornais que leio diáriamente. Da imprensa escrita brasileira, leio a Veja com uma semana de atraso quando visito meus pais e uma ou outra reportagem enviada por amigos.

Achava que a decadência na qualidade da imprensa era uma coisa específica da Veja. Tinha notado a falta de checagem, a prioridade para saúde e comportamento pincelada com crendices e modismos sem comprovação científica em detrimento do jornalismo que dá trabalho e custa dinheiro.

Para mim, era apenas um reflexo das dificuldades financeiras que as grandes empresas de mídia brasileira passam/passavam.

Mas há uns meses assisti o "Roda Viva" com o José Dirceu (disponível na lojinha da TV Cultura).

Fiquei envergonhado com a incompetência ou governismo de todos os entrevistadores. Ninguém estava preparado para entrevista. Ninguém estudou, buscou dados e, obviamente, o ministro da Casa Civil derrubou facilmente todas as perguntas "difíceis".

Achei que só eu tinha ficado envergonhado com a falta de performance dos jornalistas representantes de todos os grandes meios de comunicação deste país, mas vários coleguinhas ficaram tristes tb e ouvi várias outras historias tristes sobre a decadência da minha profissão no Brasil.

Um amigo e colega de faculdade com passagens por várias redações diz que nos últimos 5 anos a coisa piorou. Ele recentemente trabalhou uns meses em uma assessoria de imprensa justamente achando reportagens mal feitas de política e economia para gerar "direitos de resposta" (explicitos ou não) nos grandes jornais.

Esse meu amigo me contou que ninguém mais faz reportagem...

"No meu tempo, ouvia 3 fontes, lia duas pesquisas e o editor mandava voltar pq estava inconsistente. Agora estão publicando releases direto. Nas redações quase não se faz mais jornalismo... só coisas que caem no colo. Os jornalistas experientes estão indo para assessorias... lá q se apura informação e mastiga a informação".

Espero que ele esteja errado... mas nos últimos tempos não tenho visto motivos para duvidar.

De qq modo, isso é reflexo do resto da sociedade tb... Assisti ontem quase todo o Roberto Jefferson Show (só parei para comer e ir ao banheiro) e é lamentável a falta de preparo dos deputados tb.

Salvaram-se poucos como o Jungman (PPS/PE), o José Eduardo Cardozo (PT/SP), o paranaense do PSDB que eu não lembro o nome, um outro do PFL... De resto, um eu sou muito macho para cá... vc não é homem prá lá... eu não recebo dinheiro não... Carreguei saco de farinha... etc. Uma vergonha.

BTW, se eu fosse do movimento feminista já teria feito uma lista negra... como se honra, retidão de caráter fosse coisa de "macho".

Correção: tinha dito mineiro.. era paraense do PSDB.

Comente

Filtered HTML

  • Quebras de linhas e parágrafos são feitos automaticamente.
  • Tags HTML permitidas: <a> <b> <dd> <dl> <dt> <i> <li> <ol> <u> <ul> <br> <p>

Plain text

  • No HTML tags allowed.
  • Endereços de páginas de internet e emails viram links automaticamente.
  • Quebras de linhas e parágrafos são feitos automaticamente.

Atenção:

Não há censura de opinião nos comentários, mas o vc é o responsável pelo que escrever. Ou seja, aqui vale o Yoyow (You Own Your Own Words).

Lembre-se: Opinião é diferente de informação.

Informações sem fonte ou que não puderem ser checadas facilmente podem ser deletadas.

Serão apagadas sem dó mensagens publicitárias fora de contexto, spam usado para melhorar a posição de sites e outras iniciativas de marqueteiros pouco éticos.

Respeite as regras básicas Netiqueta.

Grosserias desacompanhadas de conteúdo, coisas off-topic e exagero nas gírias ou leet que dificultem o entendimento de não-iniciados tb não serão toleradas aqui.

Vou apagar sumariamente todos os comentários escritos inteiramente CAIXA ALTA, mensagens repetidas e textos que atrapalhem a diagramação do site.

Além de prejudicar, a leitura é falta de educação.

Não publique tb números de telefone, pois não tenho como checá-los. As mensagens com números de telefone serão apagadas inteiras.

Obviamente, qq conteúdo ilegal tb será deletado sem discussão.

Evite também mensagens do tipo "me too" (textos apenas concordando com o post anterior sem acrescentar algo à discussão).

Clique aqui para ver algumas dicas sobre como escrever um texto claro, objetivo e persuasivo.

Todas os comentários são considerados lançados sobre a licença da Creative Commons.

Se você não quer que seu texto esteja sob estes termos, então não os envie.



br101.org by br101.org is licensed under a Creative Commons Attribution-Share Alike 2.5 Brazil License.

Nenhum produto M$ foi usado na construção destas páginas.
Este site usa Drupal (Apache, PhP e MySql).

Se vc quiser tentar aprender a fazer um site igual a este usando softwares livres, vá até o weblivre.br101.org e leia:

Como fazer um website de verdade?